sábado, 11 de abril de 2020

Jesus e a Páscoa judaica

“Qual o significado de Pessach (Páscoa) se não for para manter vivas as nossas memórias?” – Elie Wiesel.
Alexandre Dutra
em
 
A Última Ceia, por Leonardo da Vinci.
Afinal quantas Páscoas existem? Ao longo da história podemos identificar ao menos cinco páscoas:
  • A do Egito (Êx 12), a primeira, um acontecimento único, singular, sem repetição, envolvendo dez pragas e a libertação dos hebreus da escravidão no Egito;
  • A judaica (Lv 23), ordenada por Deus como uma das solenidades do Senhor aos israelitas quando chegassem na terra prometida em conexão com a Festa dos Ázimos (Matzot) e com a Festa das Primícias (Habicurim), que ao longo dos séculos sofreu acréscimos até chegar na sua formatação atual;
  • A do Messias, como os judeus crentes da igreja do Século I foram ensinados pelo apóstolo Paulo sendo o sacrifício do cordeiro “Porque Cristo, nossa páscoa, foi sacrificado por nós” (1Co.5:7b comp. Êx.12:27);
  • A Pagã, um sincretismo religioso, envolvendo os símbolos da fertilidade, da primavera no hemisfério norte, como coelhos e ovos (Easter), com quaresmas, proibições de se comer carne, etc.;
  • e por último a Comercial, que alavanca as vendas de roupas e brinquedos para as crianças, mas que nos últimos anos tem perdido lugar para o coelhinho que bota ovo de chocolate.
Páscoa significa: passagem; passar por cima; quando o Senhor passaria pelo Egito para derramar a décima e última praga a morte dos primogênitos (Êx.12:12,13)
Geralmente a Páscoa Cristã não coincide com a Páscoa Judaica. Isso porque elas são baseadas em calendários diferentes. A marcação da data judaica é baseada no calendário lunar de 354 dias. Enquanto a cristã é baseada no calendário solar de 365 dias.
Isso explica o desencontro das datas de comemoração pelos dois grupos. Além de ser proposital ou por parte da cristandade institucional que as datas não coincidam de acordo com o Concílio de Nicéia (325 d.C.); esse ano as datas coincidiram: 14 Nisã (judaica) com 30 de Março (cristã).
Agora vejamos o Senhor Jesus no Seder de Pessach (ordem do jantar da Páscoa), ou seja existe uma sequência na celebração do Pessach do qual o Senhor participou e através do qual ele instituiu a Ceia do Senhor como um memorial a todos os seus discípulos.
A cerimônia da Páscoa pode ser realizada em casa, em um restaurante, ou em qualquer outro lugar combinado previamente pelos participantes Lc.22:8-9 “E mandou a Pedro e a João, dizendo: Ide, preparai-nos a páscoa, para que a comamos. E eles lhe perguntaram: Onde queres que a preparemos?”
O ritual da Páscoa começa uma semana antes. A dona de casa irá retirar todo o chamêtz (fermento) da casa. Na véspera da Páscoa (Erev Pessach) se inicia a cerimônia intitulada “Bedihat Chamêtz” (a procura do fermento). Essa cerimônia é uma referência a Êx.12:8 “E naquela noite comerão a carne assada no fogo, com pães ázimos; com ervas amargosas a comerão”.
Há uma pesquisa feita pelo pai, com a ajuda dos filhos com as luzes apagadas; uma vela acesa, uma pena e uma colher de pau na mão, em toda a casa para se encontrar fermento ou alimento fermentado. Deixa-se propositalmente pedaços de chamêtz (fermento) em lugares da casa, para serem encontrados pelo pai e as crianças, recolhe-se esses chamêtz coloca-se tudo em uma sacola de papel que será queimada antes do Pessach.
O fermento na Bíblia às vezes é usado como símbolo do pecado, corrupção, malícia, etc. 1 Coríntios 5:8 “Por isso façamos a festa, não com o fermento velho, nem com o fermento da maldade e da malícia, mas com os ázimos da sinceridade e da verdade”.
Antes do pôr do sol e de assentar-se, a mãe do lar e suas filhas ascendem as velas (Hadlakhat Haneirot) e recitam uma oração. Pedindo a Deus que restaures a luz divina que foi extinta pela mulher, Eva. Há uma tradição rabínica que diz que o Messias virá na noite de Pessach. Essa é a esperança de todo judeu piedoso. O ascender das vela é uma referência a nona praga – a das trevas no Egito, enquanto na casa dos hebreus havia luz (Êx.10:22-23).
Sabemos da declaração de Jesus “Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida” (Jo.8:12b).
O Pessach judaico inicia-se com a recitação do kiddush (santificação) e a ingestão do primeiro copo de vinho denominado kós kidush (copo da santificação). Esse copo representa a primeira promessa de Deus para Israel “e vos tirarei de debaixo das cargas dos egípcios” (Êx.6:6).
O pai da família lava as mãos (urchatz), desempenhando o papel de sacerdote. O Senhor Jesus desempenhando o papel de Sumo-Sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque (Sl.110:4; Hb.5:10) lavou os pés dos discípulos no Pessach (Jo.13).
Depois de lavar as mãos mergulha-se a karpas (verdura), em água salgada, recita-se a bênção e a karpas é comida em lembrança às lágrimas do sofrimento do povo de Israel. A verdura, que tem cor verde, representa o hissopo que foi utilizado para pôr o sangue do cordeiro nas ombreiras e verga da porta das casas dos israelitas (Êx.12:21-23), bem como o hissopo que foi usado para dar o vinagre para o Senhor Jesus na cruz (Jo.19:29).
Logo após, pega-se o Yachatz (um guardanapo de tecido costurado com três divisões, de maneira que as três matzot (pães ázimos – sem fermento) fiquem guardadas cada uma em uma divisão separadamente. Cada uma destas três Matzot é chamada de Echad – Unidade. Todos ficam em pé e tocam as matzot que estão sobre a mesa e recitam: “este é o pão da aflição que nossos pais comeram no Egito; que qualquer pessoa que esteja faminta entre e coma; e aqueles que estão do lado de fora, entrem e celebrem a Páscoa; hoje celebramos aqui, mas no próximo ano, em Jerusalém; este ano somos servos, mas no próximo ano seremos livres em Jerusalém”.
Pega-se o Yachatz tira-se a matzá do meio e a parte, devolve-se um pedaço ao Yachatz e embrulha-se a outra parte em um pano e a escondem. Essa parte escondida chama-se Afikôman e será descoberto depois da ceia. O Yachatz com as três matzot é tradicionalmente chamada de unidade dos patriarcas: Abraaão, Isaque e Jacó.
Outros explicam que é uma unidade de adoração: Sacerdotes, Levitas e o povo de Israel. Mas, nenhuma dessas explicações respondem adequadamente o por que que a matzá do meio é tirada e quebrada, e não qualquer uma das outras. Nós que conhecemos o Messias, vimos a Unidade de Deus – a tri-unidade do Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Três em um, as três matzot colocadas em um guardanapo costurado. Na matzá do meio nós vemos o Messias, que foi tirado e partido por nós. A matzá (pão sem fermento) fala profeticamente da vida e obra do Messias e como ela seria: perfeita, pura e sem mácula.
A Matzá também é um símbolo de aflição, especialmente quando quebrada. Para nos salvar, Deus teve que sofrer em carne! Ele se tornou homem (matzá quebrada), porém nunca deixou de ser Deus (matzá devolvida ao Echad). Como homem ele sofreu por nós (Is.53:1-12), foi morto, sepultado (afikôman escondido), e ao terceiro dia ressuscitou (como os primeiros frutos no primeiro dia da semana – domingo), após a Páscoa (Lv.23:9-12), vencendo a morte para nos dar vida eterna e foi feito as primícias dos que dormem, ou seja ressuscitou para nunca mais morrer (1Co.15:23).
Na sequência temos o Maguid (conto). Conta-se a história do Êxodo do Egito e sobre a instituição de Pessach através da resposta a “quatro perguntas”. E bebe-se o segundo copo de vinho, que chama-se: kós misdshpát (copo do juízo), o juízo de Deus sobre Faraó e o Egito por meio das dez pragas (Êx.12:12). Jetro, o sogro de Moisés, vai reconhecer que o SENHOR é maior que todos os deuses (Êx.18:10,11).
Segundo rabi Gamaliel, durante a narração do Pessach, devia ser mencionado as três testemunhas, e quem não as mencionasse, não teria cumprido o preceito do Seder: O Cordeiro, a Matzá e o Marór (ervas amargas), uma citação a Êxodo 12:8. Desde a destruição do templo no ano 70 d.C os judeus não comem cordeiro no Pessach, mas à mesa há um osso assado que representa o cordeiro, cujo sangue marcava as casas dos filhos de Israel, significando sua fé e obediência ao mandamento do Eterno (Êx.12:3,5-8,11,13).
O Senhor Jesus é chamado por João Batista de “o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo.1:29). O cordeiro do Êxodo seria separado no dia 10 até o dia 14 de nisã e a exigência era: “sem defeito” (Êx.12:4-5). O 14 de Nisã é o dia da Páscoa, o cordeiro guardado por 4 dias seria sacrificado á tarde, se não apresentasse nenhum defeito, afim de estar apto para o sacrifício (Êx.12:6).
Sacrificado à tarde:  Segundo Flávio Josefo, esse sacrifício era oferecido entre as 15 e 17 horas. Jesus entregou seu espírito na hora nona (16h), conforme Lucas 23:44-46; Mateus 27:46; Marcos 15:33-37. O Senhor Jesus após três anos de ministério público, e após ser preso foi interrogado (examinado como cordeiro) pelo Sumo-Sacerdote e Sinédrio (Mt.26:57-60), por Pilatos e Herodes (Lc.23:13-15). O Cordeiro de Deus foi achado perfeito, sem culpa João 8:46 “Quem dentre vós me convence de pecado? E se vos digo a verdade, por que não credes?”
Ao longo dos séculos um ovo tem sido acrescentado ao Seder, chamado: Khaguigá, o ovo é considerado por muitos como a nova vida e a vida eterna, por sua forma oval que não mostra início nem fim. Depois disso canta-se os Salmos 113 e 114 como hinos de gratidão. Lava-se as mãos novamente e o chefe da casa ergue os três pedaços de matzá as abençoa parte e as distribuí. É nesse momento que o Senhor Fala do pão como seu corpo que é partido: (1Co.11:23-24). Em seguida come-se o Marór (raiz forte) relembrando a escravidão e o sofrimento dos filhos de Israel no Egito. Terminada essa parte serve-se um jantar farto e saboroso em um ambiente alegre e festivo. Ao término da refeição, as crianças procuram o Afikôman.
O terceiro cálice é servido: kós gueulá (copo da redenção) diz respeito a terceira promessa: “(…) e vos resgatarei com braço estendido e com grandes juízos” (Êx.6:6). É justamente nesse momento, depois da ceia (jantar da Páscoa) que o Senhor Jesus, abençoa esse cálice (Mt 26:27), e fala do seu sangue que será derramado para a remissão dos pecados, estabelecendo assim a Ceia do Senhor – O memorial da morte, sepultamento e ressurreição (Mt.26:28;1Co.11:25-26).
Na sequência é apresentado o cálice de Eliahu HaNavi (Elias o profeta). Esse ato fala sobre a profecia em que o profeta Elias antecederia e apresentaria o Messias prometido a Israel (Ml.4:5). Leiamos as palavras de Jesus sobre o assunto: “E, se quereis dar crédito, é este [João, o batista] o Elias que havia de vir” (Mt.11:13-14).
Hallel (louvor) canta-se os Salmos 115 à 118,  conforme está descrito em Mateus 27:30 “E, tendo cantado o hino, saíram para o Monte das Oliveiras”. O Senhor Jesus não toma o último cálice: kós brachá (copo de louvor) que trata da quarta promessa: “E eu vos tomarei por meu povo, e serei vosso Deus; e sabereis que eu sou o SENHOR vosso Deus, que vos tiro de debaixo das cargas dos egípcios” (Êx.6:7). Ele promete que: “o tomará novo, com seus discípulos, no reino de seu Pai” (Mt.26:29).
Assim o Seder de Pessach agora foi cumprido – Nirtzah (ser aceito), de acordo com os costumes, estatutos e a Lei. Seus propósitos foram revelados, mostrando assim, que a nossa redenção é completa em Jesus o Messias. A última frase do Pessach é pronunciada: Leshaná HaBaá Biyerushalaym – No ano que vem em Jerusalém. “Porque todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice anunciais a morte do Senhor, até que venha” (1Co.11:26). Maranata, ora vem Senhor Jesus!

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